Todas as luzes do apartamento estavam apagadas e enquanto os relâmpagos da tempestade iluminavam toda a sala, ele parecia não acreditar no que estava vendo. A única reação que teve foi tirar os pés de cima da mesa de centro, que já tinha pra mais de dez garrafas de cerveja vazias e o cachimbo apagado descansando ali.
Tocava ♪"billie holiday - gloomy sunday"♫ repetidas vezes enquanto ele olhava atônito para a porta, enxugou os olhos, olhou para ela como quem acaba de se levantar de um nocaute. Foi andando lentamente em sua direção e tentou abracá-la, negado, ela sequer levantou os braços, enquanto engolia seco, ela já não conseguia mais sequer aguentar o cheiro dele.
"Eu cansei das suas mentiras, cansei de você saindo todas as malditas noites como se eu não fosse entender, o problema não eram as outras, o problema eram as mentiras. Meu coração deve ter mais cicatrizes do que qualquer veterano de guerra, eu queria ir embora sem você estar aqui, eu queria ir embora sem dizer tchau, não para te poupar de nada, mas para me poupar de seu maldito teatro hipócrita de pseudoamor"
As palavras dela soaram como tiro no seu peito, ele olhava para aquela mulher que um dia foi tudo que ele podia ter de amor em sua vida e agora estava totalmente descrente do que ouvia, aquela boca que tanto o beijou, aquele corpo que tanto o amou, agora apenas o machucava.
Ela já não aguentava mais, já não podia mais suportar nada, as malas já estavam prontas há muito tempo, a coragem foi que chegou depois, o amor foi quem saiu primeiro. Não levava nada que trouxesse qualquer lembrança dele, sequer o amor, não era uma despedida, era um corte, um rompimento, uma mudança brusca e violenta de direção.
Ele parou de abraçá-la, deu um passo pra trás, a encarou pela última vez, olhou para a varanda do apartamento no vigésimo andar. Iria se jogar, os olhos desaguando em lágrimas de uma tonelada, com mais de um milhão de tristezas e lembranças em cada palavra muda que ele não gritava.
"Se você for se jogar vai chegar mais rápido do que o elevador lá em baixo, aproveite então e se jogue com as malas e quando chegar lá em baixo as coloque no porta-malas do táxi pra mim, por favor"
Depois saiu e fechou a porta, levando as malas, ele não iria se jogar. Foi embora sem dizer tchau, sem despedida, só não pôde ser poupada do maldito teatro de pseudoamor que ele fez.